É melhor aparecer sozinho na primeira página

















"Só examine a espuma depois que as ondas pararem de bater" 
Tancredo Neves

— Paulo Maluf é o adversário perfeito porque só ele nunca teria a menor chance de unir o PDS — explica Tancredo Neves. — Os outros talvez conseguissem.
Os outros são o vice-presidente Aureliano Chaves e o ministro Mário Andreazza, ambos já fora do páreo naquele outubro de 1984. Aureliano formalizou o apoio a Tancredo em julho, quando o primeiro grande bloco de dissidentes rompeu com o PDS, transferiu-se para a Frente Liberal e inaugurou a sequência de rachaduras no partido do governo. Andreazza, derrotado na convenção nacional de 11 de agosto, acompanhou o presidente João Figueiredo na adesão à candidatura do ex-governador paulista, mas quase sozinho: os cabos eleitorais com real poder de fogo preferiram o caminho que levaria ao fim do regime militar.
Pergunto quando foi que decidiu escalar Paulo Maluf para jogar como adversário.
— No dia em que assumi o governo de Minas.
No começo de 1983, numa conversa a dois com Aureliano, ficou combinado que o mineiro que não chegasse à fase final apoiaria o mineiro sobrevivente.
— Eu sabia que o Aureliano não iria longe — sorri Tancredo. — Não teria o apoio do Figueiredo porque o presidente não gostava do vice. Quando viajava, o Aureliano trabalhava muito e o titular ficava com cara de quem não é de muito serviço. E o Maluf usa certos métodos de atração que poucos têm coragem de copiar.
A aproximação com o grupo de Andreazza ficou para o ano seguinte. A primeira conversa entre o governador e o ministro foi curta e rasa.
— O encontro foi no apartamento do Andrezza no Rio. O Antônio Carlos é que articulou tudo — informa.
Antonio Carlos Magalhães, governador da Bahia e coordenador da candidatura do ministro, já combinara com Tancredo que, se Maluf vencesse a convenção, disputariam como aliados a maioria do Colégio Eleitoral. Faltava combinar com Andreazza.
— Em cinco minutos, ficou claro que aquela conversa não seria muito produtiva — a voz do doutor Tancredo parece rejuvenescida, — O Andreazza parecia não entender o que a gente falava, ficava sempre na superfície, até que foi ao banheiro.
Quando voltou, ACM e Tancredo já haviam acertado a continuação da conversa no dia seguinte. Em outro local. E sem Andreazza.
— Mas ele não era má pessoa — consola.
Só depois de soldada a aliança o candidato da oposição e dos governistas dissidentes considerou-se pronto para o combate aberto. Em 14 de agosto, ao deixar o governo de Minas, esperou que o adversário perfeito tomasse a iniciastiva. O ataque veio dois dias depois.
— Sou imbatível — provocou Maluf.
— Até agora ele só enfrentou amadores — revidou Tancredo no dia seguinte.
Por que esperou 24 horas para responder?, fico intrigado enquanto o vejo dobrando e desdobrando o guardanapo de papel.
— É melhor aparecer sozinho na primeira página — ensina. — E quem diz a última coisa fica com cara de quem ganhou.
Como previra o profissional, Maluf partiu para o combate aberto com a afobação dos amadores.
— O Brasil não deve eleger um presidente com mais de 70 anos de idade — passou a repetir o que lhe pareceu uma sequência de jabs na testa.
— A Inglaterra, no auge da Segunda Guerra, foi conduzida com sabedoria pelo ancião Churchill — preparou Tancredo o contragolpe no fígado. — Roma antiga, no entanto, foi incendiada pela estupidez do jovem Nero.
Fica risonho quando reproduzo o início do duelo na conversa em Belo Horizonte.
— Vem mais confusão aí, mas estou confiante — avisa.
Pede o cardápio ao garçon, para escolher a sobremesa, e pede que eu ouça com atenção o que vai dizer:
— Só examine a espuma depois que as ondas pararem de bater.
Saberei por que, antes que o jantar termine.
http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/secao/bau-de-presidentes/

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