O marqueteiro e a bala de ouro
Bendengó é um aerólito caído no sertão da Bahia, no final do século XIX e pode ser visto no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Muito grande e de enorme beleza, em tupi-guarani significa “caído do céu”. É também o nome de LP (disco fonográfico), lançado em 1973, em Salvador, por dois jovens talentosos do município de Tucano, onde caiu a rocha gigantesca. Universitários dotados de formação cultural sólida na cantoria das belezas sertânicas, na música e na poesia: Gereba e Patinhas. As doze faixas do LP Bendengó foram compostas pela dupla com enorme criatividade (http://cliquemusic.uol.com.br/discos/ver/bendego/bendego--gereba).
Gereba
preferiu o caminho musical. Mora em Salvador e continua compondo coisas
maravilhosas, a exemplo do CD que me presenteou na residência do saudoso amigo
Guilherme Simões. Poeta, no disco Bendengó, Patinhas compôs todas as musicas e
uma delas iria marcar-lhe no futuro: “Bala de Ouro”. Preferiu trilhar o caminho
do jornalismo e mais à frente tornou-se marqueteiro. Ganhador de eleições
presidenciais no Brasil e no exterior. Ficou milionário e poderoso no marketing
político. Patinhas é João Santana, agora alvejado na Operação Lava Jato por uma
“bala de ouro”.
Como
diria o velho poeta, são insondáveis os mistérios da vida. Na velha Grécia,
Aristóteles ensinava que a política tem por objetivo a felicidade humana,
construindo instituições capazes de garantir vida feliz ao cidadão. Os
marqueteiros transformaram a visão aristotélica em antítese. A demagogia, o
populismo, a incompetência e o dinheiro corruptor na escala de dezenas de
milhões de reais, passaram a ser o verdadeiro retrato da política brasileira e
o objetivo é esconder a realidade. São políticos pasteurizados, escravos dos
consultores de imagem, nas companhas e nos governos, fazem discursos que não dizem
nada, mas falando sempre o que o povo quer ouvir. Na ditadura dos marqueteiros,
com a eliminação do debate político, banindo a discussão dos problemas concretos
que afetam o cotidiano na vida do cidadão e das famílias (a exemplo da última eleição
e o estelionato político), João Santana é figura maior.
O
antigo mago da ficção marqueteira Duda Mendonça, com quem trabalhou, foi
abatido no Mensalão, em 2005, na CPI dos Correios ao declarar ter recebido US$
5 milhões do PT, através caixa 2 no exterior. O fato ocorrera na campanha
presidencial de 2002 que elegeu Lula da Silva. Em 2006, na reeleição, emerge o
ex-auxiliar de Duda, João Santana, conduzindo a campanha presidencial. Em 2010
e 2014, foi o grande comandante das campanhas presidenciais de Dilma Rousseff.
Sobre os dois, criatura e criador, ele tem definição: “Lula é vulcão e Dilma é
raio laser.”
Autoritário,
transformou-se no grande conselheiro da presidente da República, consta ser das
raríssimas pessoas que ela ouve sem despejar impropérios. A dependência é tanta
que ele afirma ser consultado até no uso da indumentária: “Vou com roupa de que
cor”. Sobre o fraco desempenho no primeiro programa presidencial de TV, de
2014, ele disse: “Tive de ser duro com ela”. Suas raízes sertânicas de
autoritarismo ficam bem claras na filosofia que utiliza na desconstrução dos
adversários: 1) “Os candidatos são humanos e muitas vezes mais frágeis do que o
eleitor. Ninguém gosta de levar bordoada. Ou se enfurece e reage, ou se
quebranta”. 2) “A política é, ao mesmo tempo, a sublimação e o exercício da
violência”. Aliou o marketing selvagem com a força do poder econômico.
Transcendeu
as fronteiras brasileiras, fazendo campanhas políticas no exterior. Angola,
Panamá, Venezuela ou República Dominicana, por mera coincidência da baianidade,
são países onde o grupo Odebrecht tem grandes negócios. Vai daí, a 23ª fase da
operação ser intitulada Acarajé. Igualmente pela razão de ser designada como
unidade de moeda de corrupção nas obscuras transações comerciais dos envolvidos
nos desvios dos recursos da Petrobrás. O que vem motivando protestos das baianas
do acarajé, a exemplo de Rita dos Santos, presidente da Associação Nacional das
Baianas de Acarajé: “Isso vai correr o mundo. E sempre que as pessoas lembrarem
do acarajé vão associar à corrupção.” A última campanha presidencial registrou
que a empresa do publicitário recebeu R$ 88,9 milhões.
Por
tudo isso e muito mais, o jornalista Mario Sergio Conti sentencia: “A
decretação da prisão de João Santana é sinal de que o cuco do marketing não
serve mais para marcar a hora da política.”
Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É
autor de vários livros sobre a economia brasileira.
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