A Câmara e o avalista de Tancredo - Hélio Duque


Deputado Hélio Duque - PMDB-PR - 1.976 a 1.990


                  Em 20 de maio de 2015, a “Folha de S.Paulo” publicava no “Contratempo”, por título “O avalista de Tancredo”, o testemunho de um tempo parlamentar. Transcrevo: “O ex-deputado Genival Tourinho, que exerceu mandatos entre 1975 e 1983 pelo MDB mineiro, decidiu escrever um livro comparando o estilo de vida dos parlamentares de sua geração com os dos atuais.
                     - Quanto mais recordo mais fico indignado!
Ele conta que, no meio do mês, perto do dia 15, era comum que os colegas da Câmara formassem filas em uma agência da Caixa Econômica Federal para pegar um empréstimo para segurar o resto do período.
- Nesses casos, nós trocávamos avais de operações. Eu cansei de pedir ao colega Tancredo Neves que fosse meu avalista. E eu o avalizava quando ele precisava!”
Advogado e excelente parlamentar Genival Tourinho, no livro que escreve na sua querida Belo Horizonte, demonstrará que a Câmara nunca foi, ao longo da sua história, um clube de privilégios e mordomias. Quando era no Rio de Janeiro, os deputados não tinham gabinetes privativos, o mesmo ocorrendo nos primeiros anos em Brasília. Além do subsídio mensal, existia a verba de transporte, representada por 4 passagens aéreas de Brasília até a capital do estado que representava. Tinha direito de contratar 3 funcionários. Igualmente ao apartamento  funcional para residência. Tudo isso mudou a partir de 1991, quando a mesa da Câmara promoveu “reforma administrativa” alargando benefícios que se estendem até hoje. Penduricalhos foram introduzidos com verbas variadas e podendo contratar até 27 funcionários. O estilo da representação mudou e não foi para melhor. O legislativo coleciona “déficit” de credibilidade.
Não por acaso alguns dos parlamentares que introduziram o “reformismo” eram egressos da Comissão de Orçamento. Recordo que aprovada a Constituição, certo dia o presidente da Câmara, o saudoso Ulysses Guimarães deu-me uma missão: integrar a Comissão de Orçamento. Ex-presidente da Comissão de Economia da Câmara e um dos vice-presidentes, ao lado de Jarbas Vasconcellos e José Fogaça, da executiva nacional do PMDB, atendi a convocação. Sábio e experiente, Ulysses Guimarães desconfiava do que acontecia na Comissão. Nela fiquei por 15 dias, renunciando em seguida e relatando ao presidente da Câmara o que lá ocorria: um grupo de parlamentares eram fiéis subordinados aos interesses das grandes empreiteiras nacionais. Dois anos depois, (já não era deputado) o escândalo dos “Anões do Orçamento” chocou o Brasil levando a cassação do mandato de alguns dos seus membros. Um deles justificou com cinismo que o seu enorme patrimônio originara-se de ter dezenas de vezes ganho na loteria esportiva.
Hoje a “Operação Lava Jato”, com competência elenca relação de homens públicos, investidos de mandato, operando como despachante de grandes empreiteiras e auferindo vantagens na escala de milhões. Os parlamentares sérios e vocacionados a servir (e não servir-se) pagam um preço elevado e injusto quando vê a credibilidade da representação popular ser atropelada pelos espertos que compram o mandato e usam a imunidade parlamentar para incorporar patrimônio ilícito. Nos próximos meses, o Supremo Tribunal Federal, através o ministro Teori Zavascki, relator do processo que envolve os políticos envolvidos na “Lava Jato”, poderá escrever e definir um novo tempo na vida política brasileira, banindo da vida pública os “sepulcros caiados.”
A rigor, a indignação em nome da sua geração externada pelo antigo colega de parlamento e estimado amigo Genival Tourinho, invade hoje a alma de todos os brasileiros éticos e decentes. Não é mais aceitável conviver com a filosofia do “é dando que se recebe”. Mandato é dicionarizado: “Poderes políticos outorgados pelo povo a um cidadão por meio do voto.” Quem faz uso dessa outorga para levar vantagens pessoais, acumulando privilégios e mercadejando a consciência, é um energúmeno de fácil tradução: um malandro da pior espécie.
Os fatos elencados justificam o desencanto e afastamento da vida pública de figuras vocacionadas a servir ao Estado e ao País. Infelizmente, sem profunda reforma política e institucional, será impossível mudar essa realidade. A crise de representatividade é real.

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