Tio Ângelo
As frutas que saboreamos, no
verão, tem seu tempo, bem como as do outono, inverno e da primavera. Cada uma
com seu sabor, fragrância e suculência do tempo. Elas florescem, viram frutos,
amadurecem. Algumas são aproveitadas, outras apodrecem. Mas todas percorrem um
ciclo.
Assim somos nós, mortais e
passageiros.
Cada um com uma face, voz,
olhar, andar, digital, personalidade, com e sem caráter, docilidade, cheiro e
afetividade.
Temos todos, cada um,
características diferentes, mesmo que gêmeos, ninguém é igual, mesmo que a
igualdade, por alguns, seja bandeira de
justiça para todos.
Nas asas da liberdade conheci
um ser, que na sua docilidade, na sua amabilidade irradiou a todos que em seu
entorno circundou.
Presteza e solicitude com a
voz da concordância, mesmo que a discórdia fosse debatida em alto som. Aos seus
e sua rebenta, dedicou a vida, o suor, as dores no corpo cansado e ensinou-lhes
a lutar e a buscar os sonhos distantes, que só o conhecimento poderia
propiciar-lhes. Ensinou-lhes a generosidade e a compreensão, mesmo discordando,
aceitava com amor.
À sua amada, dedicou-lhe a
vida, atendia seus pedidos, ouvia seus lamentos, adivinhava seus pensamentos,
carregava água na peneira, mas nunca ousava contrariar a Dete.
Aos que o rodeava recebia com
mesa farta, voz mansa e sorriso largo, prosa longa, esticada, era a satisfação e o prazer demonstrado
no abraço da chegada e nas lágrimas da partida, parecia sempre, que seria
aquela a última despedida.
Escolheu como profissão a
mais sábia, a que, após o dom de mãe, é a mais sagrada criada pelo nosso pai.
De suas mãos, saíram pedreiros, agricultores, veterinários, dentistas, doutores
médicos e advogados, engenheiros de toda espécie e atletas de todas
modalidades.
Na estatura franzina escondia
um belo zagueiro, clássico e por vezes artilheiro. Pude apreciar de sua
categoria, eu como artilheiro e ele como zagueiro, eu um forasteiro e ele um
zagueiro. Quis o destino que deixei de ser forasteiro e ele de zagueiro,
tornei-me sobrinho do tio Ângelo.
Nas esporeadas da vida, nas
estradas compridas, virei um parceiro da boa prosa, da vida, política, futebol,
parceiro da mesa farta pelas mãos sagradas da tia Odete, que dele judiava para
amassar o pão, e ele, ele a ouvia, obedecia e fazia.
Da carne de porco que era
apaixonado, do peixe, carneiro e da novilha que criava, qualquer uma servia,
desde que fosse carne.
Das frutas que plantava, do
leite que tirava, tudo tinha uma história e o sentido era o suor e o amor com
que cuidava.
Das empreitadas que pegava,
festa do peão, e secretario de educação, falava com amor, de algo que pôde
ajudar a perpetuar, neste mundo tão desigual, onde o igual nunca existirá, mas
os passos para construi-lo ele ajudou a dar.
Do zagueiro que conheci, ao
tio que partiu, ou apenas renasceu, ficará uma satisfação tremenda, uma saudade
apertada, um sorriso largo, como se estivéssemos nos encontrando na chegada,
pois se achar que estarei partindo terei que imaginá-lo chorando, como se nunca
mais fossemos nos encontrar. Quero sorrir, pois sei que não estarei partindo, e
ele só está dando um “até daqui a pouco”, pois como renasceu, em outros braços
já se encontra, e nos abraços aconchegantes e amáveis do seu Bernardo, da dona
Juliana e do Vô Emílio, ele se confortará.
E nós ficaremos na saudade da
frase do corintiano que partiu:
- Ô
meus filhos, que bom que vocês vieram.
Até
breve tio Ângelo.
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