O Legislador e as urnas eletrônicas




Hélio Duque

  Anteriormente no artigo “A urna eletrônica é segura?”, expressava preocupação com a vulnerabilidade da urna eletrônica, um simples computador que armazena votos durante a eleição. Nominava a opinião de notáveis especialistas em informática e juristas respeitáveis que não depositam confiabilidade absoluta no sistema. Muitos desses especialistas entendem que as urnas eletrônicas brasileiras são passíveis de fraudes de quase impossível descoberta. Ante representação de auditagem do resultado eleitoral, proposta por partido político, vozes cavernosas, inclusive do poder judiciário, reagiram com adjetivos desqualificantes.
 Voltarei ao tema, começando pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que impõe, autoritariamente, o modelo e não aceita a auditabilidade. Em 2010, o Tribunal contratou uma única empresa para auxiliar em serviços com a urna eletrônica, significando transporte, limpeza e armazenagem dos computadores. Em 2014, o TSE inovou, concedendo aos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) o direito de contratar empresas regionais para a prestação do serviço eleitoral. Agora ampliados, com o carregamento de software da urna e transmissão dos dados da votação. Em cada Estado as urnas eletrônicas foram conduzidas por empresas terceirizadas. No Maranhão, por exemplo, a empresa contratada, segundo o jornal “Folha de S.Paulo”, Atlântica Serviços Gerais, do grupo Atlântica Segurança, teria vínculos com o Sr. Jorge Murad, marido da então governadora Roseana Sarney. Vale dizer: O TSE, nas eleições de 2014, terceirizou nos 27 Estados a prestação do serviço no uso da urna eletrônica.
 A rigor, o sistema nominado pelo qualificativo “gerações” nas urnas eletrônicas são modelos conhecidos tecnicamente como DRE, VVPAT e E2E. Seria a primeira, a segunda e a terceira geração evolutiva do sistema, buscando sempre corrigir problemas surgidos nos anteriores modelos. O modelo DRE, de primeira geração, por falta de transparência e total dependência do software é o mais atrasado e foi totalmente descartado no mundo inteiro. Nas eleições de 2014, o Brasil, único país no mundo a adotá-lo, continuou na avenida da primeira geração. Alemanha, Holanda, Irlanda, Inglaterra e até o vizinho Paraguai, dentro outros, testaram e sepultaram por falta de confiabilidade o modelo DRE. Professor titular da Escola Politécnica da USP, Walter Del Picchia, relata: “Faz 18 anos que o Fórum do Voto Eletrônico, entidade não partidária vem advertindo que nossas urnas são sujeitas a falhas e/ou fraudes e o eleitor não tem como saber se o seu voto foi corretamente computado”.
   No sistema independente do software de segunda geração VVPAT, a apuração eletrônica pode ser conferida por auditorias contábeis. O engenheiro Amilcar Brunazzo Filho, especialista na área com trabalhos notáveis, afirma: “No Brasil, por força da Lei 10.408/02,  em 2002 houve um teste com urnas de 2ª geração, mas a má vontade do administrador eleitoral brasileiro, que repele a idéia de um sistema eleitoral que possa passar por uma auditoria independente de seu controle, resultou numa experiência mal projetada e mal conduzida. O treinamento de eleitores e mesários foi menosprezado e o teste resultou em fracasso. Logo em seguida, em 2004, a Venezuela implantou equipamentos de 2ª geração com todo sucesso, demonstrando que a proposta é perfeitamente viável, ao contrário do que afirma o TSE no Brasil. A partir de 2006, equipamentos de 2ª geração, com voto impresso ou escaneado, passaram a substituir os equipamentos de 1ª geração.”
  O voto eletrônico de 2ª geração é adotado nos seguintes países: Estados Unidos, Canadá, México, Venezuela, Peru, Equador, Argentina, Bélgica, Rússia e Índia. Na Europa, na África, na Oceania e no Oriente Médio, as eleições oficiais não adotam o voto eletrônico. A evolução para a 3ª geração E2E, independente do software e com auditoria facilitada, vem sendo testada limitadamente em quadro países: Equador, na Província de Azuay; na Argentina, nas províncias de Salta, Chaco, Córdova, Santa Fé e Buenos Aires; em Israel, na Tel Aviv University; e nos Estados Unidos, no Takowa Park County. No Brasil prevalece o modelo que o resto do mundo não aceita. Verdadeiro mistério oculto.
  É chegada a hora da nova legislatura, a ser empossada no Congresso Nacional, enfrentar e legislar sobre essa realidade. Fundamentando-se no art. 5º da Constituição Federal, no inciso 14º, que diz: “É assegurado a todos o acesso à informação.” Não deve acovardar-se no enfrentamento das fragilidades que a urna eletrônica brasileira apresenta. A garantia do sigilo do voto e a integridade das operações têm demonstrado falhas gritantes que afeta, a credibilidade do sistema eleitoral. É dever do legislador elaborar leis que aperfeiçoem a transparência e segurança, no exercício de cidadania expressado no voto. Quem faz as Leis é o poder legislativo, cabendo ao poder judiciário fiscalizar e executar o cumprimento da legislação nascida no Congresso Nacional. Infelizmente muitos dos seus membros, não sabem do poder supremo que o mandato parlamentar confere ao seu titular. No triângulo isósceles dos poderes republicanos, o Legislativo faz as leis; o Executivo cumpre a legislação; e o Judiciário fiscaliza o fiel cumprimento das leis.
 Os novos congressistas deveriam observar e meditar com disciplina franciscana, a advertência do desembargador e juiz eleitoral aposentado, Ilton Dellandréa, do Rio Grande do Sul: “Em Direito dizer que quem cala consente é, todavia, correto dizer que quem obsta o exercício de um direito é porque tem algo a esconder. Ou, por outra, que há alguma coisa que aconselha ocultação. Ou porque – e agora estou me referindo ao caso concreto – se intui que pode haver algo de podre no seio da urna eletrônica que poderia provocar severas desconfianças.”

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

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