Hoje, 05 de Novembro, dia de Rui Barbosa
Em
5 de Novembro de 1849, há exatamente 162 anos, na Bahia, terra de
todos os santos e de vários notáveis brasileiros, nascia Rui
Barbosa, um dos mais completos intelectuais da história brasileira.
Escritor,
diplomata, Ministro, Senador, Senador Constituinte, candidato à
Presidência da República, e principalmente advogado. Foi aclamado
em Haia na Holanda, em detrimento de seu discurso na Conferência da
Paz em 1907, onde defendeu a igualdade jurídica entre as nações,
independente de serem ou não potências, recebendo o apelido de
Águia de Haia, um dos momentos marcantes, foi quando respondendo ao
primeiro ministro francês, na língua francesa, intervenção deste,
durante o seu discurso, o marco não foi por responder em francês,
mas sim, pela descompostura aplicada ao primeiro ministro da terra da
bastilha, por tentar defender as potências mundiais, em detrimentos
ao discurso da igualdade jurídica entre as nações, que era a
construção do discurso de Rui Barbosa.
Dentre
todos os seus legados, defesa da implantação da República, fim da
escravidão, implantação do Código Civil brasileiro, discursos,
representações diplomáticas, atuações nos ministérios da
República, livros, inúmeras obras, além de deixar o legado de uma
biblioteca gigantesca com títulos únicos, que trazia de suas
viagens internacionais, alguns em suas primeiras edições, com mais
de 400, 500 anos de publicação, Rui Barbosa, como paraninfo da
turma e comemorando seus 50 anos de exercício da profissão de
advogado, deixou o discurso aos formandos à Faculdade de Direito de
São Paulo, onde fora proibido de participar pelo seu debilitado
estado de saúde, discurso denominado “Oração aos moços”.
Considerado uma obra prima.
Como
não tenho, dentro da minha insignificância, como homenagear tamanha
figura pátria, farei um apanhado de fragmentos de seu discurso, para
todos possam saborear e inserirem no universo intelectual do bom,
bravo e maior baiano da história da boa terra. Ao final do texto,
encontrarão link que os remeterá à integra da belíssima obra de
Rui Barbosa.
Discurso
aos Moços - Fragmentos-
Estou-vos
abrindo o livro da minha vida. Se me não quiserdes aceitar como
expressão fiel da realidade esta versão rigorosa de uma das suas
páginas, com que mais me consolo, recebei-a, ao menos, como ato de
fé, ou como conselho de pai a filhos, quando não como o testamento
de uma carreira, que poderá ter discrepado, muitas vezes, do bem,
mas sempre o evangelizou com entusiasmo, o procurou com fervor, e o
adorou com sinceridade.
Entre
vós, porém, moços, que me estais escutando, ainda brilha em toda a
sua rutilância o clarão da lâmpada sagrada, ainda arde em toda a
sua energia o centro de calor, a que se aquece a essência d'alma.
Vosso coração, pois, ainda estará incontaminado; e Deus assim o
preserve.
Não
nos será claro que, com os nossos descendentes e sobreviventes, com
os nossos sucessores e pósteros, vive ele de fé, esperança e
sonho? Ora, tudo é viver, previvendo, é existir, preexistindo, é
ver, prevendo. E, assim, está o coração, cada ano, cada dia, cada
hora, sempre alimentado em contemplar o que não vê, por ter em dote
dos céus a preexcelência de ver, ouvir e palpar o que os olhos não
divisam, os ouvidos não escutam, e o tato não sente.
Tenho
o consolo de haver dado a meu país tudo o que me estava ao alcance:
a desambição, a pureza, a sinceridade, os excessos de atividade
incansável, com que, desde os bancos acadêmicos, o servi, e o tenho
servido até hoje.
Por
isso me sal da longa odisséia sem créditos de Ulisses. Mas, se o
não soube imitar nas artes medrançosas de político fértil em
meios e manhas, em compensação tudo envidei por inculcar ao povo os
costumes da liberdade e à república as leis do bom governo, que
prosperam os Estados, moralizam as sociedades, e honram as
nações.
Preguei, demonstrei,
honrei a verdade eleitoral, a verdade constitucional, a verdade
republicana. Pobres clientes estas, entre nós, sem armas, nem oiro,
nem consideração, mal achavam, em uma nacionalidade esmorecida e
indiferente, nos títulos rotos do seu direito, com que habilitar o
mísero advogado a sustentar-lhes com alma, com dignidade, com
sobrançaria, as desprezadas reivindicações. As três verdades não
podiam alcançar melhor sentença no tribunal da corrupção política
do que o Deus vivo no de Pilatos.
Ei-la
aí a cólera santa! Eis a ira divina!
Quem, senão ela, há de expulsar do templo o renegado, o
blasfemo, o profanador, o simoníaco? quem, senão ela, exterminar da
ciência o apedeuta, o plagiário, o charlatão? quem, senão ela,
banir da sociedade o imoral, o corruptor, o libertino? quem, senão
ela, varrer dos serviços do Estado o prevaricador, o concussionário
e o ladrão público? quem, senão ela, precipitar do governo o
negocismo, a prostituição política, ou a tirania? quem, senão
ela, arrancar a defesa da pátria à cobardia, à inconfidência ou à
traição? quem, senão ela, ela a cólera do celeste inimigo dos
vendilhões e dos hipócritas? a cólera do Verbo da verdade, negado
pelo poder da mentira? a cólera da santidade suprema, justiçada
pela mais sacrílega das opressões?
Ninguém,
senhores meus, que empreenda uma jornada extraordinária, primeiro
que meta o pé na estrada, se esquecerá de entrar em conta com as
suas forças, por saber se a levarão ao cabo. Mas, na grande viagem,
na viagem de trânsito deste a outro mundo, não há possa, ou não
possa, não há querer, ou não querer. A vida não tem mais que duas
portas: uma de entrar, pelo nascimento; outra de sair, pela morte.
Ninguém, cabendo-lhe a vez, se poderá furtar à entrada. Ninguém,
desde que entrou, em lhe chegando o turno, se conseguirá evadir à
saída. E, de um ao outro extremo, vai o caminho, longo, ou breve,
ninguém o sabe, entre cujos termos fatais se debate o homem,
pesaroso de que entrasse, receoso da hora em que saia, cativo de um e
outro mistério, que lhe confinam a passagem terrestre.
A
parte da natureza varia ao infinito. Não há, no universo, duas
coisas iguais. Muitas se parecem umas às outras. Mas todas entre si
diversificam. Os ramos de uma só árvore, as folhas da mesma planta,
os traços da polpa de um dedo humano, as gotas do mesmo fluido, os
argueiros do mesmo pó, as raias do espectro de um só raio solar ou
estelar. Tudo assim, desde os astros, no céu, até os micróbios no
sangue, desde as nebulosas no espaço, até aos aljôfares do rocio
na relva dos prados.
A regra da
igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos
desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social,
proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira
lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da
loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com
igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os
apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação,
pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir
o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.
Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a
humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos
direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em
vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria.
Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou
desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir
sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e
perseverança. Tal a missão do trabalho.
Os portentos de que esta força é capaz, ninguém os calcula. Suas
vitórias na reconstituição da criatura mal dotada só se comparam
às da oração.
Oração e
trabalho são os recursos mais poderosos na criação moral do homem.
A oração é o íntimo sublimar-se d'alma pelo contato com Deus. O
trabalho é o inteirar, o desenvolver, o apurar das energias do corpo
e do espírito, mediante a ação contínua de cada um sobre si mesmo
e sobre o mundo onde labutamos.
O
indivíduo que trabalha acerca-se continuamente do autor de todas as
coisas, tomando na sua obra uma parte, de que depende também a dele.
O Criador começa, e a criatura acaba a criação de si
própria.
Quem quer, pois, que
trabalhe, está em oração ao Senhor. Oração pelos atos, ela
emparelha com a oração pelo culto. Nem pode ser que uma ande
verdadeiramente sem a outra. Não é trabalho digno de tal nome o do
mau; porque a malícia do trabalhador o contamina. Não é oração
aceitável a do ocioso; porque a ociosidade a dessagra. Mas, quando o
trabalho se junta à oração, e a oração com o trabalho, a segunda
criação do homem, a criação do homem pelo homem, semelha às
vezes, em maravilhas, à criação do homem pelo divino
Criador.
Ninguém desanime, pois,
de que o berço lhe não fosse generoso, ninguém se creia malfadado,
por lhe minguarem de nascença haveres e qualidades. Em tudo isso não
há surpresas, que se não possam esperar da tenacidade e santidade
no trabalho. Quem não conhece a história do padre Suárez, o autor
do tratado "Das Leis e de Deus Legislador" (De Legibus
ac Deo Legislatore), monumento jurídico, a que os trezentos anos
de sua idade ainda não gastaram o conceito de honra das letras
castelhanas? De cinqüenta aspirantes, que, em 1564, solicitavam, em
Salamanca, ingresso à Companhia de Jesus, esse foi o único
rejeitado, por curto de entendimento e revesso ao ensino. Admitido,
todavia, a insistências suas, com a nota de indiferente, embora
primasse entre os mais aplicados, tudo lhe eram, no estudo, espessas
trevas. Não avançava um passo, Afinal, por consenso de todos,
passava por invencível a sua incapacidade. Confessou-a, por fim, ê]e
mesmo, requerendo ao reitor, o célebre padre Martin Gutierrez, que o
escusasse da vida escolar, e o entregasse aos misteres corporais de
irmão coadjutor. Gutierrez animou-o a orar, persistir, e esperar. De
repente se lhe alagou de claridade a inteligência. Mergulhou-se,
então, cada vez mais no estudo; e daí, com estupenda mudança,
começa a deixar ver o a que era destinada aquela extraordinária
cabeça, até esse tempo submersa em densa escuridade.
Já é mestre insigne, já encarna todo o saber da renascença
teológica, em que brilham as letras de Espanha. Sucessivamente
ilustra as cadeiras de filosofia, teologia e cânones nas mais
famosas universidades européias: em Segóvia, em Valhadolid, em
Roma, em Alcalã, em Salamanca, em Ávila, em Coimbra. Nos seus
setenta anos de vida, professa as ciências teológicas durante
quarenta e sete, escreve cerca de duzentos volumes, e morre comparado
com Santo Agostinho e S.. Tomás, abaixo de quem houve quem o
considerasse "o maior engenho, que tem tido a igreja" ;
sendo tal a sua nomeada, ainda entre os protestantes, que deste
jesuíta, como teólogo e filósofo, chegou a dizer Grocio que
"apenas havia quem o igualasse".
Já vedes que ao trabalho nada é impossível. Dele não há
extremos, que não sejam de esperar. Com ele nada pode haver, de que
desesperar.
Comentários