Furacão da limpeza


Alexandre Oltramari - Revista Veja


Na maior devassa da história do Judiciário, a políciaprende juízes sob suspeita de vender decisões – e dáinício a uma faxina que tem tudo para fazer bem ao país.

Na madrugada de 23 de novembro, uma quinta-feira, um delegado e dois agentes da Polícia Federal entraram discretamente num escritório de advocacia no número 121 da Rua do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro. A sala pertence ao escritório Borges, Beildeck e Medina Advogados, e um dos sócios é Virgílio Medina, irmão do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Medina. Durante uma hora e quinze minutos, numa ação sem precedentes na crônica policial brasileira, os policiais fizeram filmagens, tiraram fotografias e, com uma máquina portátil, fotocopiaram documentos, planilhas, anotações. Encerrado o trabalho, fecharam silenciosamente a porta do escritório e saíram sem deixar pista de sua passagem pelo 6º andar do edifício. Com ações inéditas como essa, a Operação Hurricane (furacão, em inglês), que levou 25 pessoas à cadeia, deu início à maior devassa já sofrida pela Justiça – e, no escritório da Rua do Ouvidor, encontrou fortes evidências de venda de decisões judiciais, num esquema criminoso que pode ter chegado ao STJ, a mais alta corte do país para assuntos não-constitucionais.
Na sexta-feira passada, o bote sobre a Justiça continuou com a Operação Têmis, nome da deusa da Justiça na mitologia grega. Desta vez, cerca de 300 policiais federais cumpriram setenta mandados de busca e apreensão e vasculharam o gabinete de três desembargadores do Tribunal Regional Federal em São Paulo – Roberto Haddad, Nery da Costa Júnior e Alda Basto. Além deles, os agentes federais estiveram no gabinete de dois juízes da Justiça Federal paulista, Djalma Moreira Gomes e Maria Cristina Cukierkorn. A suspeita investigada em relação aos cinco magistrados é a mesma: a existência de um esquema clandestino de venda de sentenças e liminares, quase sempre destinadas a beneficiar empresários que exploram o jogo ilegal, sobretudo casas de bingo que operam com máquinas de caça-níqueis, o que é proibido por lei desde 2000. O esquema incluiria o pagamento de mesadas de 20 000 a 30 000 reais a desembargadores, juízes e outros funcionários públicos. Até a noite de sexta-feira, o único dos cinco magistrados a falar sobre o assunto foi a juíza Maria Cristina Cukierkorn. Ela interrompeu a licença-maternidade, voltou ao seu gabinete e, por meio da assessoria de imprensa, declarou-se "perplexa" com as investigações. Afirmou que não faz idéia do motivo de ter sido incluída na operação.

..... Aos 64 anos, membro do STJ desde 2001, Medina não apareceu para trabalhar nos últimos dias, abatido com as denúncias. Nos telefonemas do ministro, não consta uma única conversa com os empresários de bingo e, nos diálogos com seu irmão, não há menção à venda de decisões. Existe, portanto, a possibilidade de que Virgílio mercadejasse liminares à revelia do irmão. Mas o inquérito da Operação Hurricane traz outro caso constrangedor para o ministro. Os grampos sugerem que ele interferiu de forma irregular para que seu genro, o advogado mineiro Leonardo Bechara Stancioli, fosse aprovado num concurso público para juiz no Paraná. Nos diálogos gravados, o ministro diz que não pode "abrir o jogo" por telefone, afirma que consegue que a sustentação oral do concurso seja feita por "outra pessoa", informa que já conversou com os desembargadores e que a banca já fora devidamente informada sobre seu genro. "O esquema tá montado", diz ele. "A missão está cumprida, viu, Leo?". O genro de Medina foi aprovado em 17º lugar no dia 28 de novembro do ano passado. O resultado do concurso foi homologado duas semanas depois. ....
http://veja.abril.com.br/250407/p_072.shtml

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